
“Capricha, porque você vai tirar fotografia do presidente na nova capital do Brasil”. Com 82 anos de idade e 60 anos de paixão pela fotografia, até hoje Hélio de Oliveira se recorda com orgulho dessa frase que o presidente Juscelino Kubistchek lhe disse há mais de 50 anos, quando pisou pela primeira vez no local onde seria construída Brasília.
Hélio de Oliveira nasceu em 1929,
Lidia Brasil: Como surgiu o gosto pela fotografia e como veio a ideia de ser fotógrafo profissional?
Eu sempre gostei de fotografia. Mas eu tinha ido estudar em Uberlândia, para fazer o curso secundário, que naquela época era chamado clássico ou científico. E lá eu conheci um fotógrafo que era repórter de um jornal lá do Rio, era amigo da gente lá, e eu me interessei por aquilo. Então eu comprei uma máquina fotográfica e comecei a fotografar festinhas, colegas de aula, futebol, e continuei esse servicinho, não como profissional, mas como amador. Então eu terminei os estudos lá e voltei para Goiânia. E aqui eu continuei a fazer esse servicinho. Mas aí eu já fazia algum serviço para ganhar dinheiro. Então eu fiquei sabendo que o jornal O Popular ia passar de bissemanário para diário e iriam precisar de um fotógrafo. Eu não sei se apareceu outra pessoa, mas eu cheguei lá e falei direto com o Câmara Filho, um dos fundadores do jornal. E ele me disse assim: “Olha, eu vou te dar uma pauta. Se você fizer direitinho, você continua”. A pauta era sobre o começo da construção da Usina do Rochedo. E eu acho que fiz direitinho, porque eu fiquei lá por 10 anos como repórter fotográfico do jornal O Popular. No Ministério do Trabalho eu sou inscrito como o primeiro repórter fotográfico de Goiânia e até de Goiás, pois no resto de Goiás não tinha nada. Existiam muitos fotógrafos, mas eram freelances, nenhum trabalhava fixo como repórter fotográfico.
Lidia Brasil: Quais foram os desafios enfrentados no começo da profissão de repórter fotográfico naquela época?O desafio maior eram as máquinas muito precárias, horríveis. Outra coisa são os filmes, você tinha que usar filmes que tinham sensibilidades diferentes. Hoje não. Naquela época você tinha primeiro que ligar a máquina, disparar, e transportar manualmente. Você tinha um fotômetro para medir mais ou menos a luz e um telêmetro que dava para ver a distância. Hoje é diferente, não tem nada disso, é tudo automático. Esse era o maior problema. E outra coisa, o jornal que eu fui trabalhar não tinha laboratório. O laboratório era meu. Eu que comprava todo o material, papeis, substâncias químicas, tudo isso. Dessas máquinas antigas, eu que adaptei, fiz um ampliador. Só depois que eu comprei um ampliador para fazer as fotos maiores. A dificuldade naquele tempo era grande, tinha que levar o filme para a câmera escura, revelar o filme, copiar, para depois levar. Hoje em dia, eu digo que qualquer um pode ser fotógrafo, basta comprar uma máquina dessas digitais, olhar, bater, e depois passar para o computador ou levar no Fujioka para revelar. Eu não. Eu tinha que fazer tudo.
Lidia Brasil: Na sua opinião, o que diferencia um fotógrafo daquele tempo com um fotógrafo de hoje?
Um profissional daquele tempo, além de ser fotógrafo, tinha que ser laboratorista. Tinha que fazer a foto. Existiam algumas pessoas que eram só laboratoristas. Mas um fotógrafo como eu, pobre, que não tinha nada, que não tinha como pagar para o serviço, eu mesmo tinha que fazer todos os passos sozinho.
Lidia Brasil: O que significa para o senhor ter visto Goiânia crescer, ter tirado as primeiras fotos da cidade e ser o primeiro repórter fotográfico de Goiânia?
Eu vim para Goiânia em 1935, quando Goiânia estava começando. O Grande Hotel estava quase terminado. Havia o Palácio das Esmeraldas, uma outra secretaria estava nos alicerces, havia um prédio aqui e outro lá na frente e as ruas abertas, só as ruas. Nesta época eu tinha 6 anos de idade. Meu pai era construtor em Buriti Alegre , e ficou sabendo da construção da cidade e viu como uma oportunidade para ganhar dinheiro. Então veio para cá. De fato ele ganhou dinheiro, ele fez umas 40 casas. Ele ajudou a fazer as primeiras casas de Goiânia. Eu nesse tempo mexia com fotografia, nada mais, e sempre o acompanhava para ver o andamento dos trabalhos e vi Goiânia crescer. A gente morava aqui em Campininha, mas, é claro, moleque, andava por aí, e vi Goiânia crescer também, e era uma cidadezinha muito simples. Quando nós mudamos, Campinas ainda era uma cidade, logo em seguida foi transformada em distrito e depois em Bairro de Goiânia. Eu comecei profissionalmente a mexer com fotografia em 1950, e em 1951 eu fui para o jornal (O Popular). Nesse tempo em que eu trabalhava no jornal, Câmara filho era Secretário de Agricultura do Pedro Ludovico. E ele me levava para tirar fotografias do palácio para o jornal e tal, e ao mesmo tempo eu tive uma aceitação que quando havia um serviço que não tinha nada a ver com o jornal eles mandavam me chamar para fazer também. De modo que praticamente eu me tornei fotógrafo do governador e do jornal ao mesmo tempo. Depois eu continuei no governo de José Ludovico de Almeida, Dr. Juca, José Feliciano, depois Mauro Borges e assim por diante. Eu só deixei o serviço no governo como fotógrafo especial mais ou menos na metade do governo de Otávio Laje. O Mauro tinha criado o CERNE (Consórcio de Empresas de Radiodifusão e Notícias do Estado de Goiás) e o CERNE tinha muitos fotógrafos, e eu disse: “Agora vocês tomam conta”. E outra coisa, em uma das viagens com Otávio Laje para o Norte, o avião andou batendo em uma montanha e quase caiu, e eu fiquei com medo. Então eu falei: “Vou parar de voar”. Porque naquele tempo o estado do Tocantins pertencia a Goiás e a gente voava demais para o Norte. Era custoso, os aviões eram pequenos e a gente não tinha muita garantia. Então eu parei depois desse dia, mas algumas vezes eu ainda viajava.
Lidia Brasil: O senhor recebia por estes serviços ao governo de Goiás?
Assim como no jornal, eu tinha um ordenado, mas o material e o laboratório eles me pagavam separado. O estado não tinha laboratório. Quando eu entrei lá não tinha Assessoria de Imprensa, não tinha nada. Eu continuei fazendo o serviço, pois eu tinha um laboratório na Avenida Anhanguera. Eu fazia o serviço, levava lá e depois eu recebia através de processo no Estado. Mas eu tinha o ordenado do jornal. Depois, em 1960, eu fui nomeado para exercer o cargo de redator. Mas como eu não gostava, e tinha muitos redatores e não tinha fotógrafo, eu resolvi entrar como fotógrafo. Para mim era mais vantagem, eu fazia fotografia, vendia fotografia, e ganhava mais dinheiro. Os redatores faziam o texto e ficava por isso mesmo. Depois eu continuei até a metade do governo de Otavio Laje, que eu afastei um pouquinho. Eu continuei em Goiânia, mas fazia poucas viagens. No governo do Mauro Borges, ele resolveu criar a Assessoria de Imprensa do Palácio, que não existia. Então ele convidou alguns jornalistas, inclusive eu, para fazer parte, como Isorico Barbosa, Itabaiana de Moura e outros. E criamos a Assessoria de Imprensa do Palácio. E lá dentro eu fui encarregado de criar o serviço fotográfico do Palácio.
Lidia Brasil: Então o senhor tem uma longa história com o estado de Goiás...
É. Eu viajei muito com o governador, conheci boa parte do Brasil através desse serviço. Até que um dia eu recebi um telefonema do Eliezer Pena, que era redator-chefe do jornal O Popular, me convidando para ir ao local onde seria construída Brasília, para recepcionar o presidente Juscelino lá. Aí fomos, saímos daqui à noite, viajamos a noite toda, a viajem durou mais de 10 horas daqui até o local onde nós fomos. Passamos por Corumbá, por Santa Luzia, que hoje é Luziânia. Eu sei que deu muitas voltas, porque naquele tempo não tinha estrada. A gente pegava estrada até certo lugar, mas quando chegava a um ribeirão e não tinha ponte, tínhamos que voltar e passar por outro lugar. E assim demorou. O Bernardo Sayão tinha construído um campo de pouso na fazenda chamada Gama, onde o Juscelino desceu com um avião. E nós fomos os primeiros a chegar. Logo em seguida chegou o avião do presidente com o Dr. Juca, o Bernardo Sayão, Altamiro Pacheco e outras autoridades. Na hora que o presidente chegou, o avião abriu a porta, e ele saiu na frente e o Israel Pinheiro atrás. Ele primeiro me perguntou se já tinha jornal naquele lugar, e eu disse que éramos de Goiânia. Então ele me disse: “Capricha, porque você vai tirar fotografia do presidente na nova capital do Brasil”. Então ele desceu, deu os primeiros passos em Brasília, cumprimentou o pessoal, e eu fotografei tudo. E depois de tudo feito lá eu matutei assim: “Esse homem é doido, chamar isso de nova capital do Brasil”. Só tinha mato. Era um ermo danado. Depois, mais ou menos quarenta minutos, ou meia hora depois, chegou um avião com a imprensa do Rio e de São Paulo. E na hora que eles chegaram tiveram que fazer tudo aquilo que eu já tinha feito. De modo que eu sou o primeiro a fotografar o presidente na nova capital do Brasil. Eles reconheceram isso e me deram o título de cidadão honorário de Brasília, me deram uma medalha de honra ao mérito, só por causa desse serviço. Depois eu sempre ia lá fotografar. Tirei fotos do comecinho de Brasília, das primeiras casas de Brasília, do Núcleo Bandeirantes, da primeira missa, das visitas ilustres de Brasília. Mas depois que Brasília começou a crescer e virar aquele monumento que é hoje eu me afastei e voltei para meu serviço de Goiânia, no Palácio do Governo. E eu fui escolhido para fazer a triagem das fotografias dos outros fotógrafos. Eu fazia um álbum para o governador e a triagem das fotografias que iam para os jornais. E eu continuei a fazer isso muito tempo. E eu só fui aposentar no primeiro governo do Marconi, porque eu completei 70 anos de idade e me aposentaram por idade.
Lidia Brasil: O senhor tira fotos ainda hoje?
Às vezes quando nós viajamos eu ainda faço fotos com uma pequena máquina digital. Mas eu não gosto muito dessas máquinas digitais. Quem tira foto mesmo é meu filho e um netinho (Hélio de Oliveira Neto). Meu neto que é fotógrafo, tem um estúdio, tudo direitinho, e hoje é um dos cinco melhores fotógrafos de Goiânia. Eu falei para ele continuar tirando fotos da cidade, porque hoje ela não tem muito valor, qualquer um pode fazer, mas daqui a 50 anos a cidade vai estar diferente e ela pode ter valor. Naquele tempo, não tinha cartão postal. Então eu fazia os postais preto e branco e trocava nas bancas por revistas. Eu recebia muitos pedidos de fotos de Goiânia. De modo que eu também divulgava a cidade dessa forma. E eu devo ter mais ou menos 35 mil fotos sobre a história de Goiânia e de Goiás. Mas se juntar com as fotos de esporte e outras que tenho, dá mais de 65 mil fotos.
Lidia Brasil: :De todas as fotos que o senhor já tirou, existe alguma que tenha sido a mais difícil de tirar?
Difícil propriamente não. Mas tem algumas fotos que tirei meio chateado, pensando na vida. Eu também tirei muitas fotos tristes, do crime da Rua 74, da família Matteucci; de crianças mortas, de muitos desastres de avião em que eu ajudei a pegar pedaços de gente para poder trazer para Goiânia. Foram muitas fotografias tristes.... mas deu para passar.
Lidia Brasil: Qual foi a foto mais importante ou mais especial que o senhor já tirou?
Eu considero essa ida minha no começo de Brasília o meu melhor serviço fotográfico na época. Porque não era só de nível regional, mas de nível nacional. Eu tirei fotos históricas que ninguém mais tinha. Se bem que eu fotografei muitas posses de presidentes lá, de governadores aqui, a chegada do papa, mas considero essa do Juscelino Kubitschek uma das mais importantes.
Lidia Brasil: Tem alguma foto que o senhor gostaria de ter tirado e não conseguiu?
Não tem não. Toda fotografia que eu tentei fazer eu fiz. Locais que eu nunca pensava que ia chegar lá, eu fui, conheci, tirei fotografias.
(Nesse momento Dona Maria Benedita de Oliveira, esposa de Hélio, toda sorridente, faz uma pausa em seus bordados para comentar que há sim uma foto que ele queria ter tirado e não conseguiu. Ela diz que certa vez, lá pela década de 50, ele saiu às pressas e depois ligou para avisar que ia a Ceres para tirar foto do disco voador que caiu lá.)
Mas eu não fui sozinho não. Foram várias pessoas para Ceres, como o redator do jornal, o secretário de Segurança Pública e outras. Não era porque eu queria, é porque tinha chegado a notícia de que caiu um disco voador lá. Eu falei: “Uai, se eu tirar foto do disco voador eu vou ser o primeiro no mundo a tirar uma foto desta.” Mas chegando lá era só balela. Não tinha nada.
Lidia Brasil: O senhor tem diversas fotos no Museu da Imagem e Som de Goiás, como ficou a questão dos direitos autorais?
Lá, quando eles precisam de usar alguma fotografia eles pedem autorização para a gente. Quando cedo uma fotografia para algum aluno que está fazendo uma tese, muitas vezes não cobramos nada, mas quando é para usufruir lucro com aquilo, uma revista, um jornal, nós cobramos. Eu tive um caso com o jornal O Popular, com o CEDOC (centro de documentação do jornal). Eles começaram a vender fotografias antigas minhas. E eu dei uma bronca lá e falei que cedi as fotografias para fins do jornal O Popular, não cedi os negativos. E eu sou um dos poucos fotógrafos de Goiás que recebem direitos autorais.
Lidia Brasil: O senhor já tem um livro publicado Eu vi Goiânia crescer e o filme Memórias de Arquivo, quais são os próximos projetos do senhor?
O livro Eu vi Goiânia crescer tem 4 volumes. O primeiro volume já saiu, com 80 fotografias dos anos 50 e 60. E já temos tudo pronto para publicar o segundo volume, com fotografias dos anos 50, 60 e 70. Só falta a Agepel (Agência Goiana de cultura Pedro Ludovico) soltar a liberação para os recursos. Está tudo prontinho. O terceiro volume será só de vistas aéreas de Goiânia, e no quarto volume nós vamos pegar uma fotografia antiga e fazer a comparação com a atual, o que era antes e como é agora. Também temos o projeto de fazer o livro e o filme Eu vi Brasília crescer.
Lidia Brasil: Se o senhor fosse professor de fotografia em uma faculdade de Jornalismo, quais dicas o senhor daria aos seus alunos para tirar uma boa fotografia?
Ser honesto consigo mesmo. Tirar uma fotografia, fazer aquela fotografia e não criar outros interesses com aquela fotografia. E que seja uma coisa importante. E que guarde essa fotografia. Porque esta fotografia que você tirou hoje talvez não vale tanto, mas daqui há alguns anos talvez ela vai ser histórica. A pessoa tem que ser honesta ao fazer fotografias, e tirar fotografias de coisas de interesse, e não de baboseiras, nem tirar fotografias para fazer chantagem, isso não pode fazer, não tem jeito. Eu menciono um caso só. Uma vez eu tirei uma fotografia quando um governador, que eu não vou dizer quem é, ganhou e depois foi para o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e teve que fazer uma eleição suplementar. Ele acabou ganhando. Naquele tempo havia seguranças que eram chamados de jagunços. E na foto que eu tirei deles na saída do TRE, apareceu o revólver que eles carregavam na cintura. E um colega meu, que já foi governador de Goiás, viu essa foto e quis publicá-la. Naquele tempo eu ganhava o equivalente a R$ 1.500, e eles me ofereceram R$ 5.000 pela fotografia, e eu não quis vender. Por quê? Porque aquela fotografia eu tirei para o governo. E só tinha eu lá fotografando. E se saísse aquela fotografia no jornal aproveitando para falar que o governador ganhou só porque estava com os jagunços, imagina o que aconteceria comigo! E eu resolvi deixar isso quieto. E muito tempo mais tarde eu encontrei com o senador Alfredo Nasser, e ele me disse: “Gostei daquela sua atitude, você provou que é ético”. Mas eu não podia fazer outra coisa. Eu fiz muitas fotografias para ele, para UDN (União Democrática Nacional), mas aquela fotografia eu não podia vender. Tanto que veio a revolução, quantos colegas foram perseguidos e presos e comigo não aconteceu nada, nada, nada. Aconteceu até um fato interessante, que veio um secretário de imprensa, um tal de Fischer, que era da transição, e mandaram me chamar para continuar sendo o fotógrafo oficial do interventor. Hoje eu não tenho nenhum inimigo que possa me incriminar. Assim foi minha vida.
Essa entrevista foi concedida em setembro de 2011.
Poderia ter digitalizado parte do acervo fotográfico dele...
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