
No cruzar das avenidas Goiás e Anhanguera, lá está ele. Seu olhar é fugaz. Semblante autoritário. Suas vestes são firmemente abotoadas, seus cintos afivelados. O punho firme segura o bacamarte, arma de fogo muito utilizada no século XVIII. Na outra mão uma bateia, símbolo da exploração do ouro, e uma espada. Carrega também junto ao cinto um pequeno canivete. Aventureiro e destemido, foi considerado inimigo invencível pelos índios das terras goianas, por isso era chamado de diabo velho, Anhanguera na língua indígena.
O movimento das Bandeiras surgiu no século XVII e tinha o ideal de desbravar novas rotas e caminhos pelo interior do Brasil, em busca de ouro e outros minerais, além de escravos índios. Bartolomeu Bueno foi um de seus protagonistas, o principal representante do movimento na região de Goiás. Por isso o Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de São Paulo organizou um movimento para trazer esse monumento para Goiás. Era uma forma de selar os laços históricos dos bandeirantes paulistas com o nosso Estado.
Conforme a historiografia, há dois personagens de nome Bartolomeu Bueno da Silva, o pai e o filho. Em 1682, Bartolomeu Bueno da Silva (pai) partiu em uma expedição de São Paulo para o interior do Brasil, atravessando o território de Goiás até chegar ao Rio Araguaia. Segundo historiadores, quando o bandeirante chegou a uma comunidade indígena Goyá, encontrou índias adornadas com objetos de ouro. Então ele pôs fogo em uma bandeja com aguardente para amedrontar os índios, dizendo que se eles não lhe mostrassem onde havia ouro ele colocaria fogo em todos os rios. Seja lenda ou não, foi esse seu caráter estúpido e audaz lhe fez ganhar o apelido de Anhaguera, o “diabo velho”.
Nessa expedição, Bartolomeu Bueno da Silva levou seu filho homônimo, que na época tinha 12 anos. O menino seguiu os mesmos passos do pai. Em 1722, com autorização de D. João V, ele partiu com uma nova expedição rumo a Goiás. Em 1725 fundou junto ao Rio Vermelho o Arraial de Santana, que depois se transformaria em Vila Boa de Goiás (atual Cidade de Goiás Velho). À medida que avançava a administração política de Goiás, Anhanguera foi perdendo autoridade. Ele faleceu em 1740, guerreiro solitário e com pouco prestígio.
Para muitos goianienses, à época da inauguração da cidade, o Monumento do Anhanguera representava o desenvolvimento e o progresso, mais uma conquista. Goiânia era mais uma cidade que se erigia graças ao senhor desbravador do sertão, corajoso e destemido. Mas isso é assim porque a história é contada pelos vencedores. E se fosse contada pelos vencidos? E se os índios tivessem resistido às investidas colonizadoras? Eles jamais colocariam no Centro da cidade o monumento de um homem aniquilador, assassino, exterminador dos nativos da terra e de sua cultura.
Hoje o monumento já como parte da Arquitetura de Goiânia passa despercebido por muita gente. Muitos não sabem ao menos o nome do bandeirante. Já outros o veem como um verdadeiro diabo velho, que colonizou Goiás a custa da vida de milhares de indígenas. O fato é que sua memória está ali, no Centro da nossa cidade. Assim como o movimento das Bandeiras rumava para o Oeste, o Anhanguera também olhava para o Oeste, para o ouro de Goiás. E desde que seu monumento chegou aqui, nunca mais ele deixou de olhar para o Oeste.
Essa figura emblemática do homem de bronze olhando para o Oeste também já presenciou muito da nossa cidade, manifestações políticas, religiosas, apresentações musicais e culturais, como os cantores bolivianos de mantas coloridas, vendedores ambulantes diversos, o conhecido “homem da cobra”, os vendedores de mapas da praça e o dia a dia de muita gente que passa e que trabalha na praça. Eu não sei dizer se seria melhor colocar um monumento ao índio goiano ao invés do bandeirante. Se não fosse por ele, eu não estaria aqui, nem você estaria lendo esse artigo. Se esse velho bandeirante solitário merece ou não estar no Centro da nossa cidade, também não sei. O certo é que ele faz parte da História do nosso Estado; e aquela praça, além de linda e maravilhosa, é um ponto de referência para os goianienses.
Publicado no Diário da Manhã em 25/07/2012 http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/mini?e=20120725
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