quinta-feira, 19 de julho de 2012

Saindo da caverna...


Eles estavam acorrentados na caverna úmida e escura. Ali nasceram, ali cresceram. Por uma pequena fresta da caverna uma luz atravessava e projetava variadas imagens. Umas movimentavam rapidamente, com formas esquisitas e irreconhecíveis, outras apareciam e se movimentavam mais vagarosamente. O silêncio às vezes era entrecortado pelo ruído que vinha daquelas sombras na parede. O rumor vinha como um eco, inteligível, indescritível. 


A monotonia da caverna era suprida por aquelas sombras e pelas tentativas de adivinharem qual seria a próxima figura a aparecer na grande parede da caverna. Pela regularidade das sombras e pelas formas, cada um tentava nomeá-las à sua maneira. Ninguém se atrevia a sair daquela condição. Sabia-se que para sair da caverna tinha que subir um gigantesco muro, e que no topo tinha uma surpresa terrível, a qual possivelmente cegaria quem se atrevesse a fugir.

Mas um jovem corajoso se atreveu a fugir da caverna. A passos vagarosos e silenciosos tentava despistar os demais. A curiosidade era tamanha que valia o risco de perder as vistas. Cada passo era um grande salto. Ao escalar o muro que estava detrás da caverna e chegar ao topo, eis que nada mais se via, senão um clarão violento que não lhe permitia mais caminhar, a não ser com a ajuda das mãos para tatear os obstáculos pela frente. Pouco a pouco suas vistas acostumavam com aquela claridade. Os objetos à sua frente iam tomando forma. O jovem se vislumbrava a cada momento com tamanha novidade, tantas cores que não conhecia, quantas lindas formas, a natureza, as árvores, as flores, os animais, as montanhas, um lindo lago, o céu azul.   

Após passar esses momentos de êxtase, veio a lembrança de seus amigos da caverna. “Não posso deixá-los naquela prisão, naquele mundo tão pequeno, sem cores, sem formas, sem realidade”. Ele já compreendia que o que se via na caverna era um resquício mínimo, uma ínfima sombra da realidade. Na viagem de volta, seus pensamentos só se voltavam para vida lá em cima, cada cor, cada movimento da natureza, a alegria das pessoas que caminhavam pelos campos. Quando entra na caverna e começa a contar sua descoberta a seus companheiros, é debochado, ridicularizado. Ninguém acredita em nada que ele diz, e o ameaçam de matá-lo caso continue com aquelas loucuras.

O clássico mito da caverna de Platão, parte do livro VII de “A República”, foi escrito há mais de 2 mil anos, mas está mais atual do que nunca. A caverna abarca todo esse mundo pequeno de fanatismo (e fundamentalismo) religioso, de preconceito, de ignorância. Não é fácil entender o mito da caverna quando habitamos na nossa caverna. Não é fácil livrarmos das nossas idéias preconcebidas, dos nossos preconceitos, das garras das religiões, enquanto estivermos parados, conformados com nossa condição. Os primeiros passos têm que ser dados. A decisão é individual. Lá no alto está a realidade. E só por meio da luz da verdade é possível se livrar da condição da escuridão.  Só saindo da caverna será possível contemplar o quão doce e puro são os ares do conhecimento.

Lídia Cunha

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