Eles estavam acorrentados na caverna úmida e escura. Ali
nasceram, ali cresceram. Por uma pequena fresta da caverna uma luz atravessava
e projetava variadas imagens. Umas movimentavam rapidamente, com formas
esquisitas e irreconhecíveis, outras apareciam e se movimentavam mais
vagarosamente. O silêncio às vezes era entrecortado pelo ruído que vinha
daquelas sombras na parede. O rumor vinha como um eco, inteligível, indescritível.
A monotonia da caverna era suprida por aquelas sombras e
pelas tentativas de adivinharem qual seria a próxima figura a aparecer na
grande parede da caverna. Pela regularidade das sombras e pelas formas, cada um
tentava nomeá-las à sua maneira. Ninguém se atrevia a sair daquela condição.
Sabia-se que para sair da caverna tinha que subir um gigantesco muro, e que no
topo tinha uma surpresa terrível, a qual possivelmente cegaria quem se
atrevesse a fugir.
Mas um jovem corajoso se atreveu a fugir da caverna. A
passos vagarosos e silenciosos tentava despistar os demais. A curiosidade era
tamanha que valia o risco de perder as vistas. Cada passo era um grande salto.
Ao escalar o muro que estava detrás da caverna e chegar ao topo, eis que nada
mais se via, senão um clarão violento que não lhe permitia mais caminhar, a não
ser com a ajuda das mãos para tatear os obstáculos pela frente. Pouco a pouco
suas vistas acostumavam com aquela claridade. Os objetos à sua frente iam
tomando forma. O jovem se vislumbrava a cada momento com tamanha novidade,
tantas cores que não conhecia, quantas lindas formas, a natureza, as árvores,
as flores, os animais, as montanhas, um lindo lago, o céu azul.
Após passar esses momentos de êxtase, veio a lembrança de
seus amigos da caverna. “Não posso deixá-los naquela prisão, naquele mundo tão
pequeno, sem cores, sem formas, sem realidade”. Ele já compreendia que o que se
via na caverna era um resquício mínimo, uma ínfima sombra da realidade. Na
viagem de volta, seus pensamentos só se voltavam para vida lá em cima, cada
cor, cada movimento da natureza, a alegria das pessoas que caminhavam pelos
campos. Quando entra na caverna e começa a contar sua descoberta a seus
companheiros, é debochado, ridicularizado. Ninguém acredita em nada que ele
diz, e o ameaçam de matá-lo caso continue com aquelas loucuras.
O clássico mito da caverna de Platão, parte do livro VII de
“A República”, foi escrito há mais de 2 mil anos, mas está mais atual do que
nunca. A caverna abarca todo esse mundo pequeno de fanatismo (e
fundamentalismo) religioso, de preconceito, de ignorância. Não é fácil entender
o mito da caverna quando habitamos na nossa caverna. Não é fácil livrarmos das
nossas idéias preconcebidas, dos nossos preconceitos, das garras das religiões,
enquanto estivermos parados, conformados com nossa condição. Os primeiros
passos têm que ser dados. A decisão é individual. Lá no alto está a realidade.
E só por meio da luz da verdade é possível se livrar da condição da escuridão. Só saindo da caverna será possível contemplar
o quão doce e puro são os ares do conhecimento.
Lídia Cunha
Nenhum comentário:
Postar um comentário