Violência, sexo, drogas, prostituição, estupro, morte, vingança são algumas das temáticas tratadas no filme Irreversível, do diretor Garpar Noé. Um filme ímpar, tanto pela polêmica cena de estrupro, que durou cerca de nove minutos, como pela narrativa apresentada de trás para frente, ou seja, o filme começa pelo fim.
Gaspar Noé, 59 anos, além de cineasta é escritor, ator, artista plástico e crítico de arte. É argentino de nascimento, mas não só vive na França como dela adotou o estilo à francesa de fazer filmes. No filme Irreversível, ele atuou como diretor, roteirista, diretor de fotografia e ainda fez uma pequena participação como ator, em uma cena em que aparece despido simulando masturbação.
O filme começa com um diálogo entre dois homens em um quarto de hotel, que fica ao lado da boate Rectum. Esses homens nada têm a ver com a narrativa do filme senão pela frase de um deles: “O tempo destrói tudo”, frase que ao final (ou começo) do filme será repetida para retomar a ideia contida no título, Irreversível, a irreversibilidade da vida.
Irreversível tem como tema principal o estupro, que marca a divisão do filme em dois núcleos. O primeiro grande bloco resume-se em cenas aterrorizantes que culminam no estupro, e o segundo bloco em cenas mais comuns que mostram os acontecimentos que antecederam o estupro. Além da dicotomia violência/não violência diferenciando esses dois blocos do filme, há também outros recursos técnicos que os dividem, como o movimento desordenado da câmera/movimento ordenado, sexo explícito/sexo implícito, ambientes a meia-luz/ambientes claros, diálogos carregados de ódio e revolta/diálogos triviais.
Nas cenas do primeiro bloco, em que os amigos Marcus (Vincent Cassel) e Pierre (Albert Dupontel) vão até à boate gay Rectum, em uma busca implacável pelo estuprador Tênia, as sensações de cenas tão imorais e depravadoras só podiam ser traduzidas pelos tensos movimentos desordenados da câmera e giros alucinantes em um cenário marcado pela meia-luz e pela luz vermelha, num complexo metafórico de inferno. As cenas de dentro da boate são marcadas pelo sexo explícito, masturbação, sadomasoquismo e outras orgias, cenas que são propositalmente desfocadas pela movimentação contínua da câmera e pelo jogo de luzes vermelhas na escuridão.
A luz vermelha, muito utilizada em diversas cenas do filme, faz referência ao fogo, ao sexo, ao amor, mas também a sangue e violência. Contrastando com o ambiente escuro da boate, cheia de escadarias que guiam ao subterrâneo da boate simbolizando as profundezas de um abismo infinito, direcionam o espectador a acompanhar o misto de ira, agressividade, ódio e desespero dos personagens sedentos pela vingança do estupro.
Na cena principal do filme, em que Alex (Monica Belucci) é estuprada quando atravessava um túnel subterrâneo, mais uma vez Gaspar surpreende ao escolher um ângulo de câmera rente ao piso e imóvel. Se no começo do filme, o efeito giratório da câmera foi utilizado para potencializar as cenas subversivas de violência e sexo na boate Rectum, na cena do estupro, ao contrário, a câmera pára, a cena é tão forte e violenta que fala por si, nenhum outro efeito de reforço se faz necessário.
Ainda nesta cena, o diretor não se contentou em tamanha violência do estupro, mas em seguida o Tênia desfigura o rosto da jovem ao batê-lo diversas vezes contra o chão. Outro detalhe interessante desta cena é quando um homem pára do outro lado do túnel, vê essa situação e sai sem nenhuma reação. O espectador se vê impotente, esperando que o homem a salve ou que chame a policia, mas nada acontece. Se em um primeiro momento acompanhamos essa violência por procuração, nesse outro momento sofremos a angústia da inércia por procuração.
A nudez e a sexualidade perpassam todo o filme. Na primeira cena do filme, em que os dois homens conversam em um quarto de hotel, um nu e outro seminu. Nas diversas cenas da boate Rectum, onde pode-se ver vários corpos nus nos mais diversos tipos de orgias. Quando Marcus e Pierre buscam informações sobre o Tênia entre as prostitutas, e um travesti mostra seu órgão genital. Também na segunda parte do filme, quando o casal Marcus e Alex estão no quarto, e a câmera explora bastante o corpo nu de ambos. A própria violência do estupro, temática principal do filme, que é um tipo de sexo forçado. E quando não são cenas de sexo, os personagens falam sobre sexo, como na cena do metrô.
Nessa cena em que Marcus, Alex e Pierre (ex-namorado de Alex) conversam no metrô, os personagens falam sem constrangimentos sobre a mal-sucedida relação conjugal (principalmente no que se refere ao sexo) de Alex e Pierre (ex-namorado de Alex e amigo de Marcus), um diálogo bem longo típico da novelle vague francesa. Uma metáfora notável pode ser vista no fim do filme, que na verdade é o começo da história, em que Alex descobre a gravidez, senta no sofá e sorri ao ver o teste de farmácia. A câmera em seguida faz um traveling para cima e mostra um pôster do filme 2001: Uma Odisséia no espaço, tendo como imagem de fundo um rosto de perfil de bebê. Odisséia significa “viagem cheia de aventuras extraordinárias”. A imagem do bebê dialoga com a descoberta da gravidez, conotando que o feto terá uma viagem cheia de aventuras extraordinárias que culminará na sua possível morte irreversível.
UAU!!!! Crítica e visão... Perfeitas! AMEI! Filme perfeito e vc conseguiu expressar perfeitamente os significados! Parabéns!
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